quarta-feira, 1 de junho de 2011

O que é sertão?

O sertão não é o Nordeste; esta é uma macrorregião definida politicamente a partir de critérios estabelecidos. O sertão não é o semiárido; esta é uma área com características próprias. O sertão não é um ecossistema ou um bioma. Não é a natureza que o define, mesmo que o homem precise, na maioria das vezes, se adaptar a ela.

E o que é sertão? O sertão é um conceito geográfico e para existir requer algumas condições.

O sertão não é um lugar definido e sim uma condição atribuída a diferentes lugares; não é uma materialidade da superfície terrestre, mas uma realidade simbólica construída com uma imagem à qual se associam valores culturais atribuídos historicamente; é um espaço qualificado para ser apropriado; uma área a ser colonizada e, por isso, não se caracteriza pela ação da sociedade sobre esse espaço.

O principio fundamental para a existência do sertão é a sua localização em oposição à outra. E, com isso, a criação de um espaço subordinado a ser conquistado (colonizado) e superado (modernizado).

O sertão pode ser visto como um espaço para a expansão capitalista, uma área de fundos territoriais e especulação fundiária; local de relações muito fortes e arraigadas entre o homem e a natureza; paisagem cinematográfica ou apenas uma região pobre e desconhecida.

Há algumas explicações sobre a origem da palavra sertão. Uma delas diz respeito a ser essa oriunda de “desertão” da aplicação original mato longe da costa, durante longo tempo aplicado a interiores. É importante observar que, quando pensada a palavra sertão (originada de desertão), reveste-se de um pseudossignificado.

Outra explicação diz que:


O termo mulcetão, de onde, naturalmente celtão e certão é corruptela, diz Frei Bernardo de Carnecatim, do puro angolado, mbunda ou simplesmente e classicamente bunda. Esse termo quer dizer propriamente mato e era empregado pela gente do interior da África Portuguesa. Tornou-se por isso designativo de mato longe da costa, como nas definições dos dicionários. Em seu sentido primeiro em língua bunda: “michitu, muchitu, muchitum; depois, mulcetão por influência lusa; afinal celtão e certão o interior das terras africanas coberto de mataria e nunca deserto grande. Essa origem falsa, à custa de ser apregoada, influiu na grafia da palavra, que passou a ser escrita com s (BARROSO, 1962, p. 12 apud RODRIGUES, 2004).

Com isso, podemos afirmar que o termo sertão já era usado pelo colonizador europeu mesmo antes da sua chegada ao Novo Mundo. A noção de sertão como lugar deserto ou longe da costa remete ao início da colonização.

Os primeiros séculos de colonização vão demonstrar um processo constante de entrada, domínio territorial e a partir da percepção do “desconhecido”, da “alteridade”, do “estrangeiro”, do “outro” que pressupõe a existência do “conhecido”, do “próprio”, do “pátrio”, do “eu” como ponto de referência (SILVA, 2010). É o início do sertão construído “de fora” para “dentro”.

O Brasil começa a pensar as estratégias geopolíticas de conhecer, ocupar, conectar e integrar o sertão ao litoral. O primeiro momento de ocupação do sertão, que dura desde as primeiras décadas de colonização até finais do século XVIII vai gerar uma série de ocupações no interior. A tendência em se ter os caminhos transformados em estradas e os pousos em vilas, criou toda uma ocupação peculiar, com uma cultura e uma identidade, que não era portuguesa e nem brasileira (litorânea).

Mas o projeto brasileiro de integração do sertão com o litoral procurou unir esses dois territórios a partir daquilo que os unificava, o idioma e a fé católica. A integração passou pela intensificação de um sistema de circulação e incorporação econômica, fato que contribuiu muito para o sertão ser visto como algo a ser superado.

Se, como afirma Andrade, o distanciamento criou, no sertão, uma civilização sui generis, o reencontro do sertão com o litoral trará fortes conflitos internos de grande repercussão, tal como A Guerra de Canudos e a tentativa frustrada da criação de um território alheio ao projeto de integração nacional.

Com a chegada do século XX e o aumento da facilidade de comunicação e locomoção, um “novo mundo” chega ao sertão ao mesmo tempo em que esse sertão também busca o mundo.O sertão não é mais um lugar regido pelo ambiente e sim uma construção social. Para cada sertão, uma identidade; para cada identidade, a necessidade de um estudo que procure se despojar dos conceitos pré-estabelecidos ou dos preconceitos. O sertão vem se tornando um objeto de estudo, e, sendo assim, um lugar de observação, síntese e análise de diversos estudos, que vêm crescendo, seja nas instituições de ensino ou em organizações não governamentais.

Na verdade, o sertão são os sertões, aquele que está na mente de cada um e desperta interesse de curiosos e estudiosos. Para além das obras clássicas de alguns autores, que contribuiu cada um, à sua maneira, para a criação e o estabelecimento de uma identidade sertaneja, cabe atualmente entender e refletir sobre essas identidades.

Trecho do livro "Simpatia - histórias, memórias e identidades no sertão" a ser lançado em agosto de 2011. Aguardem!

6 comentários:

  1. Depois das viagens da graduação e da pós, quase todas para o sertão, passei a enxergá-lo com outros olhos. Que grandiosidade! Quanto a integração com o litoral, isso não depende de projetos, é mais uma questão política, existe interesses que atuam como entrave para integrar o sertão ao litoral.

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  2. Ótimo texto. Parabéns pela bela explanação sobre a significação do sertão, tanto semântica quanto historicamente falando. Aguardo ansioso por esta publicação!

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  3. Ed, temos discutido bastante sobre o sertão por aqui... um dos grandes problemas é que o sertão é quase sempre pensado a partir do litoral e não do local, outro problema é a confusão de sertão com semiárido, tentamos superar isso, mas é difícil...
    Marcos, muitíssimo obrigado pelos comentários, seja no blog ou pessoalmente!!!

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  4. Parabéns pelo trabalho! Gostaria de me aprofundar nos temas sertão/sertanejo. Poderiam me ajudar com referências relativas à história e conceito das categorias anteriormente mencionadas? Agradecida!

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    1. Olá Marlene, muito obrigado pela visita e pelo comentário. Por favor, envie um email para mim (sidclay@yahoo.com) que te respondo com as indicações. Até breve.

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  5. Parabéns pelo trabalho! Gostaria de me aprofundar nos temas sertão/sertanejo. Poderiam me ajudar com referências relativas à história e conceito das categorias anteriormente mencionadas? Agradecida!

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